Hoje é sábado, amanhã é domingo
Compositor de destinos, Tambor de todos os ritmos, Tempo, tempo, tempo, tempo
Hoje é sábado, amanhã é domingo. Já dizia o grande poeta Vinícius de Moraes. Uma simples constatação, possível objeto de inúmeros textos. “Não há nada como o tempo para passar”.
Tenho pensado bastante sobre o tempo. Sobre como é relativo, como disse a física, e sobre como vivemos o tempo. No momento, escrevo um texto no celular e estou sentado à beira de uma piscina, na qual não entrei porque está muito gelada. Não gosto de água gelada.
Que forma curiosa de capturar o tempo é escrever. Pra mim, é como criar uma memória instantânea de como estou hoje, aqui neste calor nunca vivido antes, em um país em chamas, no tempo deste ano que se aproxima do um quarto de século, no qual as pessoas “começam a se preocupar” com o clima.
Não chove na cidade há mais de cento e cinquenta dias. Tenho saudade da chuva.
“Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado”.
Quando fiz quinze anos, em dois mil, o mundo parecia aberto e distante. Dois mil e cinquenta, um ano que era uma espécie de marco para o espiritismo, religião que estudávamos na época, parecia em outra vida. Não pensava em carros voadores, mas talvez pensasse.
Eu não poderia imaginar que, constatado o óbvio, os anos passariam depressa. Vinte e quatro anos depois estou aqui, escrevendo em um tela.
Como disse Caetano,
“Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo”
Essa história de o tempo “passar depressa” é um clichê. Parece uma reclamação nossa direcionada a Deus, que diz: calma, não vá com tanta pressa. Me emocionei com a canção de Caetano no show dele com a Bethânia, no último sábado. Era sábado, depois foi domingo e, cá estamos, num sábado.
Mas talvez seja injusto dizer que o tempo “passou tão depressa”, quando paramos pra anotar e relembrar tudo o que foi possível viver nestes anos. A culpa não é dele se você decide passar horas do seu dia rolando a tela do seu smartphone, um fenômeno dos dias atuais, que com certeza será visto com a estranheza no futuro. Sim, o tempo está passando mais depressa.
“Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado”
Da época em que me escondia em blusas de moletom por me achar gordo e achava meu cabelo engraçado, muito aconteceu.
Namorei e terminei algumas vezes. Montei e desmontei algumas bandas. Mudei algumas vezes de casa. Casei, mudei, adotei cachorro, divorciei. Graduei, pós graduei outras vezes. Trabalhei, mais do que gostaria. Comecei a ler e a escrever por prazer, e nunca parei. Corpo que vive, pensa e caminha.
O Rodrigo de dois mil é o mesmo. Ele está aqui, digitando, nesta cadeira de piscina, agora com o sol já baixo. O tempo passou. O corpo é o mesmo, ainda que gasto. Ele circulou tanto. Mas a mente evoluiu, eu acho. Não é esse o objetivo da vida?
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.
Os últimos dez anos, marcados, na minha cabeça, pela invasão do celular na minha vida, passaram depressa, sim, mas me trouxeram tanto. A pandemia trouxe uma fratura temporal ainda difícil de assimilar. Dois mil e vinte foi ontem, mas não foi.
“Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.”
Nesses minutos em que escrevo, alguns pássaros voaram, formigas caminharam, cruzei e descruzei algumas vezes as pernas. O tempo passou, mas está aqui capturado, nessa tentativa sempre fútil, porém tão humana, de dizer ao universo: deixa eu ficar mais um pouquinho neste instante.
Muito bom! Suas reflexões me remeteram ao filme italiano A ordem do tempo, baseado no livro do Carlo Rovelli. Só que numa perspectiva prospectiva. O tempo que temos talvez seja o hoje, sábado. Abraço.
Uma bela reflexão. Trazer o Vinícius para a conversa foi muito bom!
E hoje é sábado... Que seja sempre hoje e sempre nos seja dádiva!