Escrevi este texto em 2019, mas sempre que retomo alguns textos antigos, recordo com carinho deste aqui, já que marcou a minha primeira experiência com Paulo Freire. Se ainda não o conhece, conheça. Segue:
“Me lembro que, desde a faculdade de Psicologia, ouvia dizer sobre Paulo Freire. Nos corredores, àquela época, professores e colegas falavam sobre Freire em tom de unanimidade, uma referência na área da educação e do pensamento. Estávamos entre 2004 e 2008. Hoje, Paulo Freire voltou a se tornar – porque, aparentemente, sempre foi – uma figura controversa, sendo até mesmo questionado como nosso patrono da educação.
Mas o que interessa, pelo menos por hoje, é que, até esse momento, não havia lido nada do educador, ou não me lembrava de ter lido. Portanto, recentemente, numa daquelas compras periódicas de livros, incluí ‘Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa‘ no meu carrinho. Publicado originalmente em 1996, o livro foi o último publicado em vida pelo autor. A minha é a 58ª edição, publicada em 2019, o que dá uma ideia da amplitude e do alcance dessa única obra.
Para quem não conhece, assim como eu não conhecia muito bem, Paulo Freire foi um educador e filósofo brasileiro, nascido em Recife em 1921 e morto em maio de 1997. De nome completo Paulo Reglus Neves Freire, o professor é considerado o Patrono da Educação Brasileira, e se destacou por seu envolvimento com a educação popular, voltada para tanto para a escolarização como para a formação de uma consciência política. Para se ter uma noção de sua grandeza, basta uma pesquisa rápida no Google e na Wikipedia.
Dono de publicações como ‘Educação como prática de liberdade’ e ‘Pedagogia do oprimido’, Paulo Freire tem uma história que ainda preciso conhecer. Por enquanto, me limito a dizer que ‘Pedagogia da autonomia’ é um belo livro, com trechos maravilhosos, cujos princípios se alinham bastante com o que considero justo, ético e correto.
Trata-se de um modelo educação progressista, que visa transformar a curiosidade essencial do ser humano em curiosidade metódica. rigorosa e crítica da realidade. Um modelo de educação que fala com o sujeito, e não ao sujeito, reconhecendo a capacidade de todos de serem sujeitos do conhecimento e produtores de saber.
Um modelo que considera os seres humanos seres fundamentalmente inacabados, seres histórico-socioculturais e, por isso, cheios de possibilidades e esperança. Que pensa que devemos lutar para não sermos apenas objeto da história, mas sujeitos dela, nos tornando esperançosos por ‘exigência ontológica’.
Por isso, vou trazer alguns trechos e deixar a dica de leitura:
“Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista, é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele” (p. 16).
“Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro” (p.25).
“Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas” (p. 29).
“Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador” (p. 41).
“Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado” (p. 53).
“É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente” (p. 57).
“Tenho pena e, às vezes, medo, do cientista demasiado seguro da segurança, senhor da verdade e que não suspeita sequer da historicidade do próprio saber” (p. 62).
“É preciso ficar claro que a desesperança não é a maneira de estar sendo natural do ser humano, mas a distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da desesperança a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por ‘n’ razões, se tornou desesperançado” (p. 71).
“Vivo a história como tempo de possibilidade e não de determinação” (p. 73).
“Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado, mas quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a favela” – frase de um jovem operário citado pelo autor (p. 79).
“Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino” (p. 83).
“Um dos saberes fundamentais à minha prática educativo-crítica é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica” (p. 86).
“No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (p. 92).
“Como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha” (p. 93).
“Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo” (p. 100).
“Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas […] Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser” (p. 105).
“A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política” (p. 108).
“Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanicismos que o minimizam” (p. 112-113).
“É preciso que quem tem o que dizer saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente a dizer, termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito ter dito sem nada ou quase nada ter escutado” (p. 114).
“No fundo, o educador que respeita a leitura de mundo do educando reconhece a historicidade do saber, o caráter histórico da curiosidade, por isso mesmo, recusando a arrogância cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente científica” (p. 120).
conheço pouco também, o que admito com certa vergonha. acho que deveríamos ler mais e discutir mais as ideias dele, para além da polarização política que só atrapalha o bom debate.
Concordo. Quero ler outros livros dele e aprofundar, porque esse é sensacional!