Pensando no próprio rabo
Cada um faz o que quer com o seu umbigo e com o seu rabo. Inclusive, pensar apenas neles.
Sou egoísta. Reconheço. Só penso em mim. Não divido doce. Só pego talher pra mim. Só sirvo bebida pra mim. Parece péssimo, não é mesmo?
Pra mim, nada melhor para caracterizar um egoísta como as expressões “só pensa no próprio rabo” ou “olha apenas para o próprio umbigo”.
Umbigo e rabo. Partes do corpo bem sensíveis, não? Cada um tem o seu, geralmente, bem protegidos. Cada um faz o que quer com o seu umbigo e com o seu rabo. Inclusive, pensar apenas neles.
Não penso apenas em mim, seria errado afirmar isso com tanta segurança. Calma, eu explico. Penso nos outros também, mas algo, dentro de mim, bastante enraizado, e muitas vezes reforçado por outras pessoas, me diz que, na verdade, no fundo, no fundo, eu sou egoísta. Culpado, antes do julgamento.
Ensimesmado, '“voltado para dentro de si mesmo; concentrado, recolhido”.
Sabe, gente
É tanta coisa pra gente saber
O que cantar, como andar, onde ir
O que dizer, o que calar, a quem querer
Se já estive mais pra dentro, não sei em que momento da vida me tornei uma pessoa mais comunicativa e minimamente expansiva. Fiz até teatro espontâneo na praça. Talvez seja exagero dizer “expansiva”, mas, a partir de uma virada de chave que ocorreu em algum momento entre os meus dezesseis e os meus vinte e cinco anos, aprendi a me comunicar melhor.
Perdi aquele medo de falar em público e fui ficando mais confiante. Assumindo minha (assim dita, por terceiros) voz de locutor. Se antes me expressava apenas desenhando, passei a aprender a falar melhor, usar a minha voz, os pulmões, e até escrever, atividade que, talvez, se comunique mais com o desenho, penso agora.
O que importa é que, como disse Tom Jobim, no ilustre álbum Minas ao vivo, piano e voz, (um dos meus favoritos da vida), “a gente não pode ser aquele menino tímido toda a vida”. Poder, até pode, Tom, mas talvez dificulte as coisas mesmo.
Uma das minhas características mais exaltadas pelas pessoas que me conhecem é “ser tranquilo”, “calmo” e “na dele”. Bom, longe de ser tranquilo e calmo, sempre fui uma erupção por dentro. Água fervendo, ansiedade que borbulha e precisa sair. Energia contida.
Sabe, gente
É tanta coisa que eu fico sem jeito
Sou eu sozinho e esse nó no peito
Já desfeito em lágrimas que eu luto pra esconder
Aprendi a estabelecer uma boa fachada, o que ainda me traz problemas, já que, de tanto esconder as emoções, as escondi de mim mesmo e tenho dificuldades em achar. É tarefa de uma vida e de algumas terapias.
Nossos defeitos funcionam para o bem e para o mal. Nosso corpo cuida de nós e sabe o que faz, ainda que precisemos convencer a nossa mente disso, às vezes.
Se não concordo tanto com o “ser tranquilo e calmo”, devo concordar, contudo, com o “na dele”. Fico na minha. Não é à toa, penso hoje, que escolhi tocar um instrumento de bastidores: a bateria. Talvez, realmente, aparente ser uma pessoa reservada, introspectiva, pensativa. E talvez eu seja mesmo. Gosto do silêncio.
Comecei a cantar e soltar a voz depois de “velho”, mas, ainda assim, sempre de forma contida, meio escondido, fugindo do protagonismo. Cantar na bateria é extremamente confortável, sabia? Tanta coisa e gente na frente. De pé, nem saberia o que fazer com todo esse corpo.
Ser “na minha”, então, é sinônimo de “só pensar no próprio rabo” e olhar “apenas para o meu próprio umbigo”? Esqueço dos outros e das coisas, sim. Já esqueci mais, hoje esqueço menos. Pra mim, é uma tarefa que demanda esforço reconhecer e aceitar que preciso dos outros. Valorizá-los. E que preciso comunicar isso, agir nesse sentido.
Sabe, gente
Eu sei que no fundo o problema é só da gente
É só do coração dizer não quando a mente
Tenta nos levar pra casa do sofrer
Penso, com espanto, quando lembro que, até um ou dois anos atrás, tinha imensa dificuldade de chamar meus amigos de amigos. Sempre os chamei por “colegas”, indicando certo distanciamento e independência afetiva.
Hoje, os chamo de amigos, sem tanto medo, reconhecendo que preciso das pessoas. Assumindo, como está em voga, a famigerada vulnerabilidade.
Até hoje, tenho dificuldade, porém, de dizer que amo os meus pais, o meu irmão, a minha sobrinha. As palavras não saem da boca, mas espero que eles saibam disso.
Dizer “eu te amo” é uma exposição terrível, já pensou nisso? É como ficar nu no meio da multidão. Mas o que é a vida que não uma exposição contínua a riscos? Me convenço cada vez mais disso.
Se os rabos não se comunicam e os umbigos não conversam, restamos sós, presos em um labirinto de autossuficiência ilusória.
Posso ser egoísta, às vezes, e isso é necessário. Um dose de autopreservação é necessária. Porém, pergunto: egoísmo ou autocuidado? Individualismo ou amor próprio? Empáfia ou auto estima em dia? Para mim, sempre uma linha tênue.
Por mais egoísta e “ensimesmado” que eu possa parecer, contudo, esqueço, com frequência, de mim. Alô Freud.
Como dizia Gilberto Gil, vejo que, cada vez mais, eu preciso aprender a ser só. Eu preciso aprender a só ser. Ser só, porém, dito o óbvio, não é prescindir do outro. Pelo contrário, é aceitar minha dependência.
Enxerguemos outros umbigos e pensemos em outros rabos.
Abraços e até a próxima!
é muito bom dizer "eu te amo" . Faço isto com mais frequência e leveza depois que virei avó. São milhoes de "eu te amo vovó" o dia inteiro. Com isto, venho aprendendo que a vida pode ser menos complicada e leve. Viver um dia de cada vez...
Quanto a sua calma aparente, até hoje nunca havia percebido que aí dentro tem um vulcão...rsrsrs
Muito bom Rodrigo!