Professor Rodrigo?
“Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanicismos que o minimizam”
Professor?
O que é ser professor? E professor universitário? Sempre tive a ideia fixa de que ser professor era algo inalcançável. Primeiro, porque algo em mim, vinculado àquelas crenças de ser um impostor, dizia “quem sou eu pra ensinar algo a alguém?”.
Segundo, porque o imaginário dizia que ser professor universitário era ser extremamente inteligente, dedicado, privilegiado, vestir camisa de botão, ter alguns gatos, tomar bastante café, estudar enlouquecidamente e, o principal, estar meio “acima” dos meros mortais. Ah, e saber discorrer sobre Karl Marx, Weber, Freud, Lacan e outros intelectuais longamente, em um nível moral superior.
Não me pergunte de onde vem tudo isso.
De um lado, meu pai, que foi professor por muitos anos (alguém deixa de ser professor?), não tinha nada a ver com esse perfil idealizado. É uma pessoa que trabalhou a vida toda (e ainda trabalha) e que buscou a formação acadêmica de forma tardia, para os modos convencionais, e teve a oportunidade de lecionar em faculdades particulares por muitos anos, transmitindo uma mistura que acredito ser muito importante de teoria e prática.
De outro, minha mãe sempre contou histórias de professora. Quando era criança, dava aula para as plantas, bonecas e galinhas, não me lembro bem. Chegou a dar aulas para crianças e, mais tarde, começou até uma formação em docência para talvez retomar a prática, mas que acabou não indo pra frente. Mais uma vez, nada a ver com o perfil idealizado.
A realidade é que, somente depois de entrar no mestrado, é que comecei a vislumbrar, ainda que de modo distante, a ideia de ensinar e talvez saber fazer isso. De corrigir, dizer o que está certo ou errado, “iluminar” o caminho de alguém.
Cara de psicólogo
Já ouvi algumas vezes na vida que, além de ter cara de psicólogo, tinha jeito de professor, talvez uma conclusão tirada da minha paciência pra ensinar coisas do dia a dia. Raramente escuto que tenho cara de baterista. Não devo ter mesmo.
Às vezes me pergunto porque eu fiz Psicologia. Honestamente, ainda não tenho a resposta, com mais de quinze anos de formado. Não foi uma escolha muito consciente, lá nos meus idos dezoito anos.
Talvez eu seja bom em escutar as pessoas, possua um perfil analítico, seja curioso pelas manifestações humanas, mas sinto que a profissão veio me levando até aqui. Estamos de mãos dadas, eu e a Psicologia, mas não sabemos bem o motivo.
Recentemente, ingressei como professor na Graduação em Psicologia, na PUC Minas, aqui em Belo Horizonte. Semana passada dei minha primeira aula. Cinquenta e poucos alunos. Com chamada e tudo mais.
Apesar de já ter colaborado em outras atividades como docente e ter sido professor em uma especialização lato sensu há alguns anos, na própria PUC, essa é a minha primeira experiência formal na Graduação, com carteira assinada e tudo.
Já que tudo aconteceu muito depressa e poucas semanas se passaram entre o convite, a confirmação e o início das aulas, tive pouco tempo pra pensar sobre isso, até o momento. Só vim.
Não tinha planejado isso, nem vinha buscando isso há muito tempo. Eu me formei na PUC Minas, campus Coração Eucarístico, em 2008, o que já parece ser outra era. Depois, acabei assumindo o concurso para psicólogo no qual estou até hoje e, por alguns anos, sinto que quase deixei a Psicologia de lado.
O trabalho me demandava muito pouco e eu estava na zona de conforto, fazendo mais planilhas de excel do que sendo psicólogo. Até que o incômodo veio e busquei, através da leitura e da escrita, me reconectar com a Psicologia. E isso acabou me cativando.
Voltei à PUC fazer o Mestrado e o Doutorado, em Psicologia mesmo, que funciona em um prédio fora do campus, mas bem ao lado, então acabei habitando as proximidades da PUC por mais alguns anos, entre 2016 e 2022. Ainda não sei porque inventei de fazer mestrado, mas acabei indo.
O curioso é que, ao entrar no mestrado, sentia que eu não pertencia àquele espaço. Aquilo não era pra mim. Era um intruso, por mais que as evidências dissessem o contrário, já que fiz um ótimo processo seletivo, consegui bolsa e sempre fui elogiado.
Ainda assim, ao entrar no doutorado, a sensação me acompanhou. Mais uma vez, quem eu era pra querer “ser doutor”, achar que meu tema de pesquisa tinha alguma importância ou me igualar aos outros pretendentes ao título? Contudo, as evidências seguiam dizendo o contrário, já que a bolsa estava lá, de novo, assim como os artigos publicados, os elogios e as boas referências.
Depois disso, já dei algumas aulas, fiz apresentações e palestras, mas me vinha me perguntando: e agora? Sou doutor. E daí?
Talvez ser professor seja apenas ser
Agora, dois anos após defender minha tese, quando comecei a conversar com os funcionários da PUC sobre a contratação, o título “professor” surgiu antes do meu nome. Que estranho. Professor Rodrigo. Começar a ser tratado como colega pelos meus, até então, professores idealizados, ainda me gera estranheza. Com os alunos, ainda me sinto meio envergonhado ao ser chamado de professor ou, como alguns preferem, “prof”.
Eu, professor. Meus alunos. Provas. Dar nota. Trabalhos. Chamada. Ser chamado de professor me envelhece uns dez anos, eu acho. Mas confesso que começo a me permitir ocupar esse lugar. Muitas vezes, é mais difícil a gente se permitir algumas coisas do que os outros o fazerem. Somos nosso pior juiz e algoz, frequentemente.
O que é ser professor? E professor universitário? Talvez seja isso que sou. Parece que sou um deles. Eu, que não tenho gatos, mas tomo bastante café. Eu, que não me acho acima de ninguém, nem sei discorrer muito sobre Marx. Sei bastante coisa, mas tem coisas demais pra não saber.
Como disse Paulo Freire, “tenho pena e, às vezes, medo, do cientista demasiado seguro da segurança, senhor da verdade e que não suspeita sequer da historicidade do próprio saber”.
Eu, que aprendi muito com a Psicologia, e que sigo aprendendo diariamente. Eu, que acho que posso transmitir algumas coisas e experiências que trago com meus quase quarenta anos.
Que, talvez, sim, tenha algo a ensinar, algo a direcionar e algo a contribuir com quem busca algo com uma profissão que já me acompanha há mais de uma década, daqui a pouco duas. Ainda me sinto um impostor, às vezes, por isso me preparo bem. Estudo, monto aulas, me preocupo. Não gosto de trabalho mal feito, nunca gostei.
Quem sabe consigo provar pra mim mesmo, aos poucos, que ser professor é ser eu e mais um monte de gente. Diferentes, únicos, especiais, sim, porque ensinar é bem bonito e isso me cativa.
Um abraço e até a próxima! =]
Professor Rodrigo, sim. Que coisa linda. Parabéns.
Boa sorte, Rodrigo! Caminhaste bastante já, teus alunos terão o privilégio de escutar um pouco da tua história, bem parecida com a minha. Um anjo que já te acompanha, Paulo Freire, é certeiro para diálogos existenciais sobre a profissão. Outro que indico é mineiro também, de Boa Esperança. Chama Rubem Alves. Eles poderão te acudir nas horas boas e nas outras não tanto. Abraço e continue escrevendo por aqui.