Sem tempo irmão
Ter tempo é um dos maiores privilégios e é importante que você saiba disso
Olá. Como você está? Calma. Não vou tomar muito do seu tempo.
As cinco linguagens do amor ficaram bastante conhecidas com a definição do escritor estadunidense Gary Chapman. Não exatamente científicas, as cinco modalidades, que contemplam palavras de afirmação, tempo de qualidade, presentes, atos de serviço e toque físico, abarcariam, de certa forma, possíveis expressões do amor.
Tempo de qualidade uniria, numa jogada só, dois dos mais preciosos produtos disponíveis no mercado, atualmente: tempo e atenção.
Quer algo mais em disputa do que isso?
O tal “tempo de qualidade” seria “dedicar atenção genuína e exclusiva ao parceiro, sem distrações, focando na partilha de momentos e na escuta atenta e sem interrupções”. Ao ler “parceiro”, leia-se “pessoas, no geral”.
Não me interessa muito discutir o conceito, porém, a tal “escuta atenta” poderia se aproximar, ao meu ver, à escuta empática, ativa e profunda, tão difundida, atualmente, pela Comunicação Não Violenta (CNV), organizada pelo psicólogo americano Marshall B. Rosenberg. Até pra praticar a CNV é preciso ter tempo.
Ou ainda ao que Rubem Alves, nosso escritor mineiro, se referiu na sua reflexão “escutatória”, ao dizer, de modo atemporal, que “todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”. É preciso tempo pra escutar de verdade.
Há algum tempo (sim, ele mesmo), escutei um episódio muito interessante do podcast Conselhos que você pediu, com a Isabela Reis, que se intitula fofoqueira profissional.
Com o título “tempo é luxo”, direto de uma cadeira com cenário bucólico ao fundo, a Isabela manda o recado: o tempo é o verdadeiro marcador do bem viver.
Recomendo assistir, mas pode terminar de ler o texto antes. Considere como um investimento para o seu eu do futuro.
Citando a psicóloga e mestre pela USP Mariane Santana, Isabela diz que o tempo é o verdadeiro artigo de luxo e o atual marcador que separa ricos e pobres. Poder utilizar o tempo como desejamos é algo bastante diferente. Ter tempo é questão de raça, classe e gênero.
Tempo pra pensar, pra escolher e preparar o que for comer, pra descansar. Para brincar. Tempo para não trabalhar. Pra dormir um pouco mais, pra tirar férias.
Ao contrário do samuel_gordinho_oficial, pessoas que têm mais dinheiro têm mais tempo. Tempo, ainda que limitado, é algo que o dinheiro pode comprar, sim.
Até pra ser antiprodutivista é preciso ter os boletos pagos. É preciso tempo pra protestar, elaborar e viver diferente.
É preciso tempo pra ouvir podcasts, ler livros, pensar.
Como Isabela pontua, ter tempo é um dos maiores privilégios. Slow living (vida lenta) não é pra qualquer um. Desacelerar também não. Se você consegue tomar café da manhã com calma, em casa, antes de trabalhar, você é um privilegiado, sim.
Se consegue se exercitar três vezes por semana sem ter que acordar quatro e meia da manhã ou sacrificar o tempo que passaria com alguém que você ama, este é um produto difícil de comprar.
“Viver exausto não é uma virtude”, com bem ressalta Mariane Santana.
O problema é que, quando o tempo aparece, não estamos preparados para nos deparar com o vazio. O nosso sistema político econômico atual incentiva isso. Que estejamos sempre fazendo algo útil. Optamos por nos ocupar o tempo inteiro. Isso evita pensar.
É preciso entender que ter tempo é mais do que algo simplesmente objetivo.
Talvez você não tenha tempo mesmo em virtude de sua classe social, raça e/ou gênero. Mas talvez você não tenha tempo porque não se permite ter tempo. Talvez você tenha medo de ter tempo.
É tempo de parar, pensar, avaliar, decidir, se isso for possível pra você.
É tempo de se atentar ao que importa, se algo importa. É tempo de lutar, ainda que pelas beiradas, contra uma organização social que torna o tempo um bem escasso, concentrado na mão de poucos. De micro protestos.
Aquele “tempo de qualidade” é algo muito valioso e que não deve ser desperdiçado. Não serei mais um a dizer, mas sim, estão roubando sua atenção e o seu tempo.
Precisamos ter tempo pra pensar. Já parou pra pensar hoje?
🎬 A sala dos professores (Alemanha, 2023)
Em uma das minhas noites livre, assisti ao filme A sala dos professores, disponível no HBO Max. É curtinho e tem muitas camadas. Gostei muito.
“Carla Nowak é uma professora de esportes e matemática que se destaca pelo seu perfil idealista dentro do sistema educacional. Em seu novo trabalho no ensino médio, um de seus alunos é suspeito de realizar roubos, e agora Carla decide entrar fundo na questão. Porém, as consequências de suas ações enquanto profissional ameaçam destruí-la” (Wikipedia).
🎞 You Don’t Want Love—You Want to Be Picked So You Feel Worthy (2025)
Recentemente, me deparei com esse vídeo da Pearlieee indicado por amigos das redes sociais e achei muito perspicaz. Talvez seja interessante pra você também.
“Você não quer amor — você quer ser escolhido. Você quer ser validado. Você quer ser suficiente. Mas o verdadeiro amor não é algo que se conquista — é algo que se recebe sem precisar provar nada. Este vídeo é para todas as pessoas que já correram atrás de quem era emocionalmente indisponível, confundiram ansiedade com amor e transformaram a conexão em competição. É hora de parar de fazer audições e começar a escolher a si mesmo” (traduzido por IA).
📽 Às vezes quero sumir (Estados Unidos, 2023)
Um pouco mais existencialista, Sometimes I Think About Dying (o título original vai mais direto ao ponto), é um filme bonito e sensível sobre solidão, contemplar a existência e sobre relacionamentos. Abusando da estética, é um daqueles filmes delicados, profundos e ligeiramente cômicos. Gostei.
“Uma mulher solitária e socialmente desajeitada tenta se conectar com um novo colega de trabalho amigável que a leva para um encontro” (Wikipedia)
📚 Li e gostei
Fal Vitiello de Azevedo - (Drops da Fal) O estanho caso da mulher que não existia
Paula Maria - (Te escrevo cartas) Dobrando o flop
Aline Valek - (Uma Palavra) Os melhores do milênio (até agora)
Raisa Monteiro Capela - (A vida possível) Narrar o sábado
🎧 E uma música, pra fechar
Eu, particularmente, gosto bastante do Tim Bernardes. Recentemente, ele lançou uma bela versão cantando Prudência, composição própria que havia sido interpretada pela ilustre Maria Bethânia.
me pego pensando na vida / suspirando em silêncio / tentando mantar o controle e a prudência / que dizem levar à uma vida de paz
Um abraço!






tenho me dedicado com afinco à gestão do meu tempo, pensado melhor nele: deixei de realizar algumas tarefas que já não faziam sentido, abri espaço para coisas que eu realmente gosto (ler um livro, ir à praia, escrever)...
Esse texto é um tesouro! Obrigada!