Este texto não é sobre alucinações auditivas, nem sobre referências bibliográficas e vozes do além túmulo. As vozes da minha cabeça sobre as quais quero falar são outras. Falo sobre imaginação, fantasia e a capacidade de criar enredos. Porém, não qualquer enredo, mas enredos para a nossa própria existência.
A ciência já provou que falar consigo mesmo é algo comum entre nós. É possível, claro, que isso alcance níveis patológicos, mas é super frequente conversar consigo mesmo ao longo do dia, nos recantos da nossa mente, enclausurada em nossas caixas cranianas. Aí dentro, no que a gente chama de “eu” 🧑🏻 .
Temos um mundo dentro de nós e geralmente tá rolando uma festa lá dentro. Ou um chá das cinco. Depende do contexto.
Eu poderia chamar essas vozes de crenças, pensamentos, ideias, mas opto por chama-las de enredo, já que quero falar das histórias que contamos para nós mesmos. Nossa vida tem história, não há dúvida. Tem início, meio e fim. É uma trama que escrevemos com a ajuda de diversos autores, mas o enredo que existe na sua cabeça é só seu.
Se estamos fazendo parte da escrita, aí já são outros quinhentos, mas que a história está sendo escrita, está. Basta olhar o passado, pegar algumas fotos ou vídeos. O que aconteceu, aconteceu, mas a forma de contar e entender o que se passou, isso está sempre mudando, até o dia em que batermos as botas.
Sempre fui uma pessoa de pensamentos. Muitos pensamentos. Quem não pensa, não é? (Alguns parecem não pensar, confesso). Porém, via de regra, todos passamos, boa parte do tempo, dialogando com os nossos diversos “eus” internos, como em um grande divertidamente.
Contudo, exista quem pense mais, eu acho. E eu sou um deles. Você faz parte do clube?
Sempre fui uma pessoa do silêncio. Lembro, até hoje, da minha capacidade infantil de ficar horas brincando sozinho, em silêncio, com peças de lego, bonecos dos comandos em ação ou cavaleiros do zodíaco, inventando cenários, personagens e enredos.
Quando não estava brincando em silêncio, estava desenhando, também em silêncio. Na verdade, um silêncio parcial. Como gostava de desenhar minhas próprias histórias em quadrinhos, era comum que imitasse, em meu rosto, as expressões que queria desenhar e repetia, baixinho, as falas dos personagens, pra ver se era aquilo mesmo.
A verdade é que estava, de certa forma, materializando minha criatividade e a minha imaginação naquelas histórias e brincadeiras. O enredo interno por trás? Seria um desenhista famoso, venderia revistinhas, estilo Maurício de Sousa.
Sei que essa descrição breve de parte da minha infância daria um excelente início de filme sobre um matador em série norte americano, mas não foi o caso. (Narrador: até o dia em que Rodrigo começou a maltratar pequenos animais. Obs.: não, isso não aconteceu).
Eu também pegava sol, jogava bola e convivia. Era uma criança alegre, ainda que tímida. Porém, o pensamento sempre foi uma marca constante da minha existência. Pelo menos, é essa história que conto pra mim. Sou mais quieto e reservado. E as pessoas ao redor reforçaram isso. Pronto, história escrita.
Isso me levou, e ainda leva, muitas vezes, a não comunicar exatamente o que quero, sinto, desejo e penso. O mundo interno pode se tornar uma prisão, se não abrimos as portas e as janelas, de quando em quando.
Tenho um hábito negativo de pensar, de forma bem sedimentada, que “eu não daria conta disso ou daquilo” ou que “isso ou aquilo não é pra mim”. Isso me levou, por vezes, acredito, a abandonar algumas iniciativas ou arriscar pouco na vida, como não tentar virar o próximo Maurício de Sousa.
Parte disso, culpa dos enredos, ainda que a vida tenha me provado o contrário.
Não sei você, mas consigo perceber, nitidamente, que levo minhas rotinas diárias baseado em um enredo do dia, da semana, do mês ou do ano. Como se tivesse me movendo como uma peça de jogo de tabuleiro em um calendário gigante com meu nome em cima, em letras garrafais.
Exemplo:
“Vou trabalhar mais cedo porque tenho que sair cedo e depois dar aula, e depois vou embora pra comer alguma coisa e dormir cedo, porque amanhã tenho que começar cedo também, mas queria ir na academia, mas talvez esteja cansado. Essa desculpa de estar cansado está me engordando, mas são momentos da vida. Neste momento, estou priorizando o trabalho. Ano que vem eu me organizo”.
E por aí vai.
Seja mentira, seja verdade, o fato é que conversamos com a gente mesmo o tempo inteiro e nos convencemos das nossas próprias verdades (que, às vezes, são mentira) e enredos internos.
Isso pode ser visto, por exemplo, em coisas simples, como:
“acabar comendo aquele docinho que você prometeu pra você mesmo que não iria comer no início da semana, porque essa semana ia ser diferente, mas você se permitiu comer, afinal, sua vida é muito dura e você merece. Só se vive uma vez”.
Me decepcionei mais uma vez. Nunca vou mudar. Está aí um enredo difícil de combater.
Autoengano, ilusão, motivação, ideais, negação, otimismo, crenças limitantes. Chame do que quiser. Eu gosto de pensar que tenho alguns enredos internos e que alguns me fazem bem, outros me fazem mal.
Penso que sou inteligente e que escrevo bem, modéstia à parte. Isso faz com que eu me permita arriscar a escrever, me expor, ou achar que consigo ensinar a alguém alguma coisa, me aceitando professor.
Porém, acho minha cabeça redonda demais, meu cabelo escorrido demasiadamente e, com frequência, barrigudo, dependendo do ângulo. Não adianta me convencer do contrário. A gordura abdominal está aí.
As histórias que contamos para nós mesmos podem nos ajudar a levar a vida, a buscar coisas boas pra nós e para os outros, mas também podem ser enredos extremamente limitantes, se acreditamos que nunca seremos bons o suficiente ou seja o que for.
Ah, acabei de lembrar que sou psicólogo e sim, isso tem explicação e pode ser objeto de transformação. Mas é aquela coisa: casa de ferreiro, espeto de pau.
Os psicólogos também tem suas questões e deter o conhecimento técnico e teórico acerca dos mecanismos da mente não é sinônimo de cura instantânea e auto análise garantida.
Também nos debatemos em dilemas internos. Quem cuida de quem cuida de quem cuida de quem cuida?
Tenho tentado deixar o Instagram (a rede que sobrou, além daqui) aos poucos. Pegar menos o celular. Se pegar, pegar com sentido.
Busco passar o tempo “sem fazer nada” ou fazendo algo que faça sentido pra mim. Ler, tocar piano, pensar na vida, dormir, conversar com amigos, escrever.
Percebo que o rolar constante das telas vem tirando a nossa capacidade de simplesmente “pensar na morte da bezerra”, como diriam meus pais, e talvez sermos autores da própria história.
Já experimentou ouvir apenas as vozes da sua cabeça hoje? O que elas estão dizendo? Qual é o enredo da sua vida?
Por hoje, é só. Um abraço! 🎅🏻
Achei por aí:
são muitas vozes na cabeça. às vezes, os divertidamente brigam. hahaha
Tem dias que sinto vontade de pedir 5 minutos de silêncio para as vozes da minha cabeça