Desculpe se me repito. É que a vida pode ser repetitiva, às vezes, e corremos o risco de ficar monotemáticos.
Sinto que venho falando muito do tempo, mas acho que é bom falar dele, né? Afinal, como diz Ana Claudia Arantes, “o ser humano é a única espécie na Terra que é definida por um verbo”. Sim, não “somos”. “Estamos sendo”. Aqui e agora.
Falar e escrever sobre o tempo me dá a sensação de que posso capturar os minutos e as horas em um potinho e não deixá-lo escapar. E gosto de fazer isso escrevendo.
O ano era 2020 e, desde o fim do ano que havia passado, ouvíamos dizer sobre alguma doença lá na China envolvendo um morcego. O resto, vocês já sabem.
Porém, antes da doença inominável chegar até nós e virar o nosso mundo de cabeça para baixo, outra notícia veio aquecer os nossos corações ❤. Meu irmão seria pai e isso queria dizer que a minha sobrinha 👧 estava a caminho.
Uma criança entre nós. Isso era bastante novo, afinal, em nossa pequena família, não era comum a convivência com crianças. Pelo contrário, erámos adultos até demais.
Portanto, uma gravidez, ainda que pandêmica, e a chegada de um bebê, inauguravam um novo tempo.
Beatriz chegou no finalzinho de agosto de 2020, quando ainda nos preocupávamos muito com a pandemia. A vacina 💉 ainda era algo distante e o uso de máscaras, o distanciamento social e a constante angústia eram elementos comuns na rotina.
Conhecer a Beatriz, que logo virou Bia, através de fotos e vídeos, foi ainda surreal.
Conhecê-la, pessoalmente, uns quinze dias depois, foi um desafio, ainda cercado de medo e cautela.
Por maior que fosse a alegria que sentíamos por sua chegada, a doença estava lá, ainda pouco conhecida. E ela era tão frágil.
Vivemos uma cautela encantada. Melhor, um encanto cauteloso.
Nesse meio tempo, foi o meu aniversário. O tio Drido, como eu seria chamado carinhosamente dali em diante, completava seus 35 anos 🎂.
Uma criança nos dá a medida do tempo. É isso que venho observando. Do tempo da brincadeira, do cuidado, das perguntas, da inocência, do amor. E, principalmente, do tempo, esse relógio chato e parceiro, que passa mesmo.
Veja bem: em setembro de 2020, éramos mãe (60), pai (62), irmão (38), eu (35) e Bia (0).
Hoje, mais de mil e quatrocentos dias e trinta e cinco mil horas depois (gastei uma, escrevendo este texto), Bia é uma criança feliz, saudável, faladeira, esperta e cantora, e fez quatro anos de idade, no fim de agosto de 2024.
Hoje, temos mãe (64), pai (66), irmão (42), eu (39) e Bia (04). E o que isso quer dizer? Nada.
O tempo em número pode fazer pouco sentido, mas ajuda a dimensionar esse espanto que não deveria espantar tanto assim. Gosto de olhar para fotos antigas, de anos atrás ou de dias, semanas, meses atrás. Algumas dizem muito do momento, outras não dizem nada.
É provável que eu esteja sendo para a minha sobrinha (olha que loucura) o que algumas tias mais próximas foram pra mim lá no século passado (muito bom fazer parte da geração que pode usar esse termo assim, de bobeira). O afeto, o cuidado e a brincadeiras ficam, marcam. Agora sei disso.
O que cabe na matemática do tempo?
Amores e amizades que terminam ou que começam.
Cabe uma sobrinha que engatinha, anda de um jeito meio bêbado, que balbucia algumas futuras palavras, que se modifica tanto, em tão pouco tempo.
Uma criança em que os braços espicham e as pernas se alongam. Que brinca de cabaninha, algo que se resume a um teatrinho com cobertas e confusão.
Cabe o fim de uma pesquisa, uma nova fase no trabalho, alguns livros lidos e textos escritos. Palavras que deixam a nossa marca no mundo.
Cabe muitas fotos com maior qualidade e vídeos que se proliferam, tornando nosso registros antigos empoeirados e espantosamente ultrapassados.
Cabe um tempo em que pais que se tornam avós e, como em muito tempo não víamos, iluminam suas faces e enchem os olhos de lágrimas toda vez que falam da neta.
Adultos que voltam a brincar e rir.
Sinto e vejo o tempo passar em cada passo da pequena, nem tão pequena assim, Bia, e entendo, cada vez mais, que a vida não deve seguir uma lógica de acumulação de coisas ou de busca eterna por reconhecimento.
Se for pra acumular ou buscar algo, que sejam momentos significativos.
Vejo o tempo passar na fralda, que não precisa mais. Na piscina, que ficou pequena. No brinquedo, que já não interessa mais. Na palavra, que deixou de ser pronunciada incorretamente. Na conversa, que, por vezes, se confunde com um diálogo quase adulto. Ela perguntou isso mesmo? 😮
É isso. Uma criança nos dá a medida do tempo. Escrevo e vivo, enquanto ele passa.
Acabo de assistir a Vidas Passadas (2023). Que filme.
Um abraço e até a próxima!
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📚 Li por aí e recomendo:
Obrigada por recomendar a Vagarosa, Rodrigo. Que gostoso te ler.
Uma criança muda tudo!