Quando estou tomando café, sinto que nada de ruim pode acontecer comigo. Pensei isso ontem, enquanto dormia e acordava em uma longa viagem de carro. Com uma caneca, copo de plástico (pequeno ou médio, daqueles que a gente sabe que fazem mal) ou lagoinha de café na mão, nada pode dar errado. Tomar café me acalma, por mais incoerente que isso seja. Com café não estou sozinho.
O cheiro do café e o calor do recipiente entre os dedos me transportam pra longe. Me levam para a infância e os cafés com leite antes de ir pro colégio, preparados com amor pelo meu pai. Me lembro do gosto e do cheiro como se fosse hoje. Me levam para a casa da minha avó Myrthes, que sempre fazia seu café claro e doce como caramelo, que até juntava formigas. Me levam para quando aprendi a fazer café, há muitos anos, com o meu pai, que sempre colocava aquele tanto de açúcar que, aos poucos, eu aprendi a dispensar.
Quando estou tomando café, estou mais à vontade e cruzo as pernas, num sinal de que agora estou aqui, presente. É o café que me dá a pausa da reflexão, do olhar para o nada, soprar pra esfriar e pensar. Sopra, pensa. Sopra, acalma. O café me leva para a casa dos meus pais e para os lanches da tarde. Para o “bafo” de café de quase todos, que denotam a intimidade daquele ritual familiar. E a minha sobrinha, de apenas quase quatro anos, que diz “odiar o cheiro de café”. O café ainda com açúcar, mas pouco, bem menos, porque o meu pai já sabe que agora tomamos sem.
“Tem café” é uma frase de amor e quem gosta de café (e de amor) entende. “Aceita um cafezinho?” Nada mais mineiro, dizem. “Vou passar um cafezinho pra gente”, outra que mostra nossa mineiridade. Eu aceito.
Já tomar meu próprio café significa que abri o armário e peguei aquele caneco de sempre, esvaziei a garrafa para medir a quantidade de água, enchi o caneco, liguei o fogo, preparei a garrafa com coador e filtro, coloquei a quantidade de pó que meu coração (e meu olho) mandou, e esperei a água, pensando em alguma coisa, encostado na pia, até que despejei a água, aos poucos, como manda o figurino, e antecipei aquele café cheiroso (como a fumacinha que sai das tortas nos desenhos animados) que vou tomar logo mais, sabendo que não deveria tomar mais café hoje, já tomei demais.
Quando estou tomando café, por mais que ele me deixe mais ansioso, como consequência, sinto que nada de ruim vai acontecer, porque aquilo é um símbolo de uma vida inteira, e contém meu pai, minha mãe, minha avó, cada lanchonete do centro e hospitalidades diversas nas casas de um e de outro, ou no trabalho. Ele está sempre lá, como sinal de que está tudo bem, afinal, “tem café”.
Coisa mais gostosa é compartilhar um cafezinho com uma amiga, bater papo, sentir o quentinho do café na xícara na mão... adoro!
Que texto mais gostoso de ler. Eu como boa mineira, já me senti acolhida. O ritual de tomar café para mim é a forma de me conectar com a minha origem e matar a saudade de Minas, já que hoje moro longe das minhas amadas montanhas.